sábado, 27 de fevereiro de 2010

ONGs lançam em Brasília Carta da Esplanada em prol do ciclismo

O terceiro dia da Conferência Internacional de Mobilidade por Bicicleta foi marcado por sugestões para criar no Brasil uma cultura de respeito aos usuários de bicicleta no Brasil. Os participantes frisaram que a conjugação de esforços nas áreas de educação, infra-estrutura e fiscalização é um pré-requisito para a adoção de uma real política de mobilidade sustentável no País. “Sem a participação efetiva do Poder Público, não conseguiremos avançar em nada em direção à uma nova mentalidade e uma nova modalidade de transporte nesse País, um transporte muito mais sustentável, eficiente, limpo e não violento, que é a bicicleta,” concluiu Maurício Gonçalves, presidente da ONG Rodas da Paz, organizadora do evento, em parceria com o Ministério das Cidades.

Depois de três dias intensos debates, os palestrantes lançaram um desafio, por meio de um manifesto à sociedade e ao Poder Público, reivindicando medidas concretas e urgentes em favor da construção de uma “bicicultura”, ou seja, da adoção de uma política nacional de incentivo ao uso sustentável e seguro da bicicleta como meio de transporte no Brasil, que envolva os vários entes federados, como Estados e Municípios, por meio do repasse de recursos e assessoramento técnicos para a construção de projetos cicloviários adequados à realidade de cada cidade brasileira.

Outra reivindicação foi o aumento dos recursos destinados a esse fim no Orçamento da União no ano que vem, além da destinação de recursos para capacitação de multiplicadores em educação para o trânsito e uso de recursos de multas para educação de todos os usuários do trânsito. Outra reivindicação é aprovação de legislação em nível nacional que assegure a existência de condições urbanas e viárias para o transporte seguro via bicicleta, considerada meio de transporte pelo Código Brasileiro de Trânsito.

Sociedade engajada

O presidente da ONG Rodas da Paz, Maurício Gonçalves, avaliou que o evento, ao reunir os principais grupos articulados de defesa do ciclismo no País, como a União dos Ciclistas do Brasil, o programa Bicicleta Livre, Escola de Bicicleta, ViaCiclo, BH Mountain Bike, Transporte Ativo, Pedal Noturno DF, entre outros, demonstra que sociedade civil está organizada em defesa da construção de uma política de transporte que priorize os meios não motorizados e o transporte coletivo, e não privilegie apenas os automóveis. “A bicicultura depende de o governo destinar recursos financeiros de fato para que os Estados e municípios possam criar uma estrutura geral que leva as pessoas a enxergar a bicicleta como um grande meio de transporte”.

A jornalista Renata Falzoni, que apresenta programas desportivos no canal ESPN, afirmou que o Estado é omisso nas políticas em favor de pedestres e ciclistas. “38% dos deslocamentos em São Paulo são feitos a pé, mas você não tem calçadas”, afirmou. Falzoni, que é cicloativista, afirmou que o carro privatiza o espaço público e que a violência e o descaso contra o ciclista é uma questão social. “Os pedestres e os ciclistas são excluídos socialmente. Quando disserem que o Brasil não tem cultura, o Brasil não tem é vergonha. Essa é uma questão de preconceito social, de classe e etc.” sentenciou.

Falzoni afirmou que a discriminação do ciclista também é uma questão de cultura, que deve ser combatida com multa e com a aplicação das penalidades da lei. Ela enfatizou que os prejuízos causados à saúde pública, em função da poluição, da violência e das mortes no trânsito, poderiam ser minimizados com o incentivo ao uso da bicicleta.”

Meio de transporte mais popular

A palestrante lembrou que a bicicleta é o meio de transporte mais utilizado no País. “A maioria esmagadora dos usuários do sistema de transporte está pressionado por uma segregação social” afirmou, lembrando que a crise financeira também leva à discussão sobre as políticas adotadas nos países. “Quando que, num mundo em crise, o uso de bicicleta não se justifica. Os presidente falam em financiar isso e aquilo, mas ninguém pensa na bicicleta”.

Depois de pedalar em 20 países, Falzoni disse que o uso da bicicleta é uma das medidas de grau de evolução das sociedades, e que cada local demanda uma política de transporte diferente. “Não há uma solução única com relação á mobilidade urbana. Há uma solução para China, outra para a Holanda e outra para ao Brasil. Mas você consegue categorizar o que é ´primeiromundismo´, e o nível de elevação da sociedade pela forma como ela trata seus ciclistas, seus pedestres e cadeirantes”.

Ela criticou a visão da mídia e do Poder Público sobre o papel da bicicleta no transporte urbano. “Os jornalistas tratam o ciclismo e o cicloativismo de uma forma muito deturpada, da maneira como aprendemos desde criança e da forma com que o Estado quer. Para eles, atropelar um ciclista é uma questão de cultura. Mas não é só uma questão de cultura, é uma questão de sem-vergonhice”.

Estrutura cicloviária compartilhada

Os participantes explicaram que a viabilização do uso seguro da bicicleta requer mais do que a construção de vias exclusivas para a circulação de ciclistas. “A gente não quer ciclovia, é preciso de uma estrutura cicloviária, que contempla ciclovia; ciclofaixa; trânsito partilhado com responsabilidade; acesso aos espaços públicos e integração modal. Para que eu vou colocar dinheiro em ciclovia se eu tenho todas as ruas para pedalar, e isso está garantido no Código de Trânsito!”, indagou. Renata Falzoni disse que o Brasil sofre de “bicefobia”, “que tem que ser denunciada”.

O representante da Embaixada dos Países Baixos, Hubertus Sleegers, disse que o fomento ao uso da bicicleta deve começar desde criança. “Na Holanda, a bicicleta é o principal meio de transporte para o estudante, e a escola tem os ensinamentos básicos e, ao final da primeira fase dos estudos, os alunos fazem um teste prático”, explicou. Segundo ele, existe na Holanda um grupo de voluntários para evitar acidentes nas escolas. São os verkeersbrigadier, ou brigadeiro do trânsito, que atuam como guardas de trânsito na entrada e saída das aulas e ajudavam na travessia das crianças, garantindo a sua segurança. “A cultura da bicicleta passa a fazer parte do País”, assegurou. Miriam Van Bree, da União dos Ciclistas dos Países Baixos, afirmou que 20% dos acidentes fatais no trânsito na Holanda são de ciclistas e que esse número precisa ser reduzido.

Como representante das indústrias de bicicletas, Ana Lia de Castro, do Instituto Pedala Brasil. A grande ameaça não era a Caloi contra a Sundow, com a Monark, mas o computador e a indústria de automóveis. “Apesar de sermos o terceiro país em número de bicicletas, com 5 milhões de bicicletas, atrás da China (com 50 milhões de bicicletas), dos EUA (com 20 milhões de bicicletas), o setor está estagnado”, constatou.

Ana Lia informou que o instituto criou o programa ”Ciclista Cidadão” e o programa de capacitação de técnicos para a educação para o trânsito, e que são realizadas palestras dentro das escolas e das empresas. “É bem vivencial, não só de orientação para o trânsito, mas também de atitude comportamental”, ilustrou.

A Conferência Internacional e Mobilidade por Bicicleta foi encerrada no sábado, 15/11, com um passeio ciclístico que saiu do Museu da República, na Esplanada dos Ministérios.

FONTE: ASSESSORIA DE IMPRENSA DA RODAS DA PAZ

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