sábado, 27 de fevereiro de 2010

Por que ainda morrem tantos ciclistas atropelados?

Se lermos a Lei 9503/97, o Código de Trânsito Brasileiro, veremos que a bicicleta é um veículo regulamentado, reconhecido como de propulsão humana e de transporte de passageiros (Art. 96 Inc. I Alinea C e Inc. II Alinea A). Sobre ela, incidem regras, como a exigência de equipamentos obrigatórios e de determinado comportamento no trânsito.

Miguel Reis
Rodas da Paz

Observe atentamente o que diz o Art. 58 de nosso Código de Trânsito:

Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.

Podemos chegar a várias conclusões a partir deste parágrafo:

•bicicletas não são obrigadas a andar sobre calçadas/passeios, tal como muitos motoristas pensam, ainda mais em razão desse ser um lugar preferencialmente destinado à circulação de pedestres;
•as bicicletas devem, se não houver via destinada especialmente para elas, compartilhar as vias de trânsito com os veículos automotores, ou fazer uso do acostamento - com exclusividade, visto que é proibido a circulação de veículos automotores pelos acostamentos;
•apenas se houverem ciclovias ou ciclofaixas as bicicletas devem deixar as vias de trânsito;
•ainda que houverem acostamento, ciclovias ou ciclofaixas, as bicicletas poderão utilizar as vias de trânsito, quando não for possível utilizar os primeiros;
•as bicicletas tem preferência sobre os veículos automotores;
•o ciclista poderá utilizar tanto o bordo direito quanto o esquerdo da pista.
Em geral, o motorista desconhece este artigo, bem como outros que regulam a circulação de pedestres, veículos de propulsão humana, de tração animal e até mesmo de motocicletas, ônibus e caminhões. Isso se deve em especial ao fato de que nas auto-escolas se ensina apenas o mínimo para se obter a carteira de habilitação, e porque os motoristas não se interessam por conhecerem o código e as regras de convivência nas vias.

Ademais, os órgãos de trânsito tem demonstrado pouco interesse em fiscalizar o mau comportamento de alguns motoristas, e se limitam a ser meros arrecadadores de multas resultantes de fiscalização eletrônica e a realizar blitzes para fiscalizar o pagamento do IPVA. Apenas eventualmente, em vésperas de feriadões, aparecem na televisão dizendo que vão fazer uma operação educativa nas principais estradas, e só.

E assim, o ciclista é expulso das ruas. Tal como fechamos nossas casas com grades e vivemos presos em nossos próprios lares, o cidadão, frente à violência do trânsito, perde o direito de ir e vir utilizando sua bicicleta.

São pais de família que poderiam economizar o suficiente para melhorar a alimentação de seus filhos ao guardarem o dinheiro da passagem que gastariam no caminho do trabalho. São alunos que muitas vezes faltarão aulas e irão para a rua por não terem como pagar a tarifa do transporte coletivo. É o atleta que representaria sua cidade, seu estado e até mesmo seu país, e que é obrigado a afastar-se dos treinos. E, se lembrarmos que o esporte é um elemento que tem grande potencial de afastar os jovens das drogas e do crime, podemos até mesmo admitir que a violência do trânsito também tem reflexos na segurança pública.

Muitos insistem em minimizar o potencial das bicicletas como solução para o problema do transporte nas cidades. Se for o seu caso, lembre-se que as maiores cidades da Europa estão incentivando o uso desse meio de transporte em seus centros urbanos, construindo ciclovias e ciclofaixas e disponibilizando bicicletas para aluguel e paraciclos (os "bicicletários"), e com isso reduzindo efetivamente tanto os congestionamentos quanto a emissão de gases poluentes advindos de veículos motorizados, além de diminuirem a demanda por vagas de estacionamento.

Com tudo isso, é fácil concluir que temos um Código de Trânsito moderno por, entre outros avanços, estar atento à bicicleta como meio de transporte - seja por seus benefícios sociais ou ambientais - e que proporciona os meios legais para que o trânsito seja mais cidadão e inclusivo. No entanto, estamos enfrentando o que talvez seja o maior problema contemporâneo brasileiro: o descumprimento das leis.

Por isso, a Ong Rodas da Paz tem dado especial importância à cobrança de ações educativas e de fiscalização por parte da PMDF e DETRAN, além do fim da impunidade pelos crimes de trânsito, solicitando mais atenção das autoridades quanto a infrações de trânsito como:

•ultrapassagens pelo acostamento;
•estacionamento em lugares proibidos, como acostamentos, proximo a esquinas e em fila dupla;
•deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta;
•dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente;
•dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos;
•arremessar, sobre os pedestres ou veículos, água ou detritos;
•deixar de dar passagem pela esquerda, quando solicitado (isso faz com que alguns ultrapassem pelo acostamento) ou ultrapassar pela direita;
•entrar ou sair de fila de veículos estacionados sem dar preferência de passagem a pedestres e a outros veículos;
•conduzir o veículo com dispositivo anti-radar;
•bem como o disposto nos Artigos 302 a 312 do Código de Trânsito (crimes em espécie).
Também temos exigido que se inclua nas aulas das Auto Escolas / Centros de Formação de Condutores instrução relativa ao compartilhamento das vias com os ciclistas e pedestres, bem como que nos exames teórico e prático para os candidatos a motorista insiram-se questões e situações que demonstrem o aprendizado e a compreensão das regras relativas a essa convivência.

A você que anda de bicicleta, seja por lazer, meio de transporte ou esporte, que tem filhos que tem a bicicleta como brinquedo ou transporte ou simplesmente por que deseja morar em uma cidade mais humana junte-se a nós nessa busca de nossos direitos como cidadão.

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